Como mostrado no post anterior, tinha comprado quatro livros taoístas para leitura pessoal. Quando houvesse um tempo entre meus estudos e rotina assídua, eu aproveitaria para lê-los. O escolhido para ser o primeiro é o 阴符经: 皇帝 – Yin Fu Jing – Huangdi, o Imperador Amarelo. O responsável pela obra no Brasil é o mestre 武 (Wu Jyh Cherng), quem fez a tradução e interpretação do chinês.

Antes de comentar da minha leitura, gostaria de apresentá-los ao falecido autor. Segundo o próprio livro:

Mestre Wu nasceu em Taiwan em 1958, e em 1973 mudou-se com seus pais para o Rio de Janeiro. Fala com fluência nosso idioma, que somava ao exercício diário da sua língua pátria, o mandarim, através da leitura de textos clássicos no original, e das conversas com seus pais, aqui no Brasil, e com seus amigos e mestres durante viagens regulares que fazia ao Oriente, para aprofundar sua formação na busca de autênticos conhecimentos taoístas. Em 1987, foi ordenado Sacerdote Taoista, em Taiwan, pelo Dào Jiào Shì Jiè Zong Miào (Comitê Central Mundial do Taoísmo”.

Orelha do Livro: 阴符经: 皇帝 – Yin Fu Jing – Huangdi, o Imperador Amarelo

Eu gostaria de pontuar algumas observações que realizei durante a leitura. Apesar da linguagem acessível, o conteúdo é denso. De fato, não é um conteúdo introdutório. Não acredito que seja um livro de leitura fácil para aqueles que não detêm leituras prévias em taoísmo ou temas similares. De fato, não é um livro indicado para introduzi-lo ao tema. Mas é possível, se o leitor consumi-lo de maneira regrada. Por que eu digo isso? Porque na maioria das leituras filosóficas orientais, já notei que é melhor consumir lentamente. Mesmo que o leitor tenha vigor e disposição, de nada adiantaria ler algumas páginas a mais, pois o conteúdo é tão denso, grandioso talvez seja um adjetivo mais adequado, que receber doses fracionadas desse tipo de leitura é melhor pra absorver o conteúdo.

Arquivo Pessoal.

Outro comentário digno de nota é a relação existente com os conteúdos budistas. Verdade seja dita, desde 2016 eu fui muito mais inclinado para as leituras budistas. Aquelas mais agnósticas, sem citar muito tradições e rituais religiosos. Enfim, o budismo e o taoísmo são similares. Não há como não comparar conceitos tão próximos das duas correntes de pensamento. Por exemplo: no quadro 5: Manifestação da Consciência, o autor trata sobre o ‘Ciclo da Geração: a não virtude gera outra não virtude’. E lá diz:

Apego à forma gera emoção. Emoção gera pensamento. Pensamento gera ação. Ação gera conhecimento. Conhecimento gera apego à forma. Reinicia-se o ciclo.

阴符经: 皇帝 – Yin Fu Jing – Huangdi, o Imperador Amarelo. Página 47.

A citação acima lembra muito o conceito de Roda de Samsara presente no Budismo. As ideias de ciclos viciosos que mantém o ser humano aprisionado, longe da iluminação, é comum às duas correntes. Mais similar a Roda de Samsara é o gráfico 2 na página 50, na qual apresenta o mesmo conceito da citação anterior, porém, com o nome de Ciclo da Roda do Eterno Retorno.

Agora, a citação que farei do livro transcreverei aqui por simples curiosidade que tive nas palavras do autor. Destaco a seguinte parte do livro:

Existem duas naturezas convivendo no íntimo do ser humano: a celestial e a humana. A natureza celestial é uma qualidade interior que corresponde ao caminho do céu ou destino cósmico. Ela é harmoniosa, constante e equilibrada e desconhece o egoísmo porque se confunde com a Consciência Universal, única para todos os seres. E a natureza humana é uma qualidade do ego, individual e específica de cada pessoa, sujeita a uma permanente transformação, como reflexo das transformações infinitas das circunstâncias que vive.

阴符经: 皇帝 – Yin Fu Jing – Huangdi, o Imperador Amarelo. Página 81.

Agora, mais uma vez exaltando a convergência Taoísta-Budista, gostaria de enfatizar dois ensinamentos bem semelhantes entre as duas correntes: uma presente no livro que resenho neste artigo, e a outra proveniente de um Koan budista. Vamos lá:

Todo conhecimento colocado a serviço da transformação da consciência é um instrumento útil, que encurta o caminho de uma pessoa na direção da plenitude espiritual. Mas desviado desse objetivo, é informação acumulada, unicamente. O conhecimento em si não é bom nem mau, ele é somente uma ferramenta, e isso explica por que tornar-se mais intelectualizado não significa tornar-se uma pessoa mais iluminada. A iluminação da consciência não se reflete na quantidade de conhecimentos acumulados, nem no domínio intelectual que a pessoa alcança. A iluminação reflete-se no comportamento sábio frente aos desafios e obstáculos da vida, identificando com a capacidade que a pessoa adquire para enxergar o mundo com lucidez e com a tranquilidade que demonstra diante do que enxerga.

阴符经: 皇帝 – Yin Fu Jing – Huangdi, o Imperador Amarelo. Página 84.

Agora, seguindo a mesma linha de raciocínio da citação anterior, repare como os koans budistas abordam a mesma questão:

Koan n.º 1 – Uma xícara de Chá
Nan-In, um mestre japonês durante a era Meiji (1868-1912), recebeu um
professor de universidade que veio lhe inquirir sobre Zen. Este iniciou um longo
discurso intelectual sobre suas dúvidas. Nan-In, enquanto isso, serviu o chá. Ele
encheu completamente a xícara de seu visitante, e continuou a enchê-la,
derramando chá pela borda.
O professor, vendo o excesso se derramando, não pode mais se conter e
disse: “Está muito cheio. Não cabe mais chá!”
“Como esta xícara,” Nan-in disse, “você está cheio de suas próprias
opiniões e especulações. Como posso eu lhe demonstrar o Zen sem você
primeiro esvaziar sua xícara?”

Em muitas partes do livro eu notei que, diferente do budismo, há mais intensidade na valorização das questões morais, o que me lembrou de outro livro clássico chinês: Os Analectos, de Confúcio. Livro este, digno inclusive, de um artigo exclusivo pra ele no futuro, uma vez que foi responsável por parte do molde moral que a China aplicou para si ao longo dos últimos dois milênios e meio.

Bem, não gostaria de fazer ainda mais citações sobre o livro, porque gostaria de indicá-lo para todos aqueles que estejam lendo este artigo. Se você chegou até o final, é porque teve interesse no tema. O livro vale a pena comprar, é barato e você acha fácil nessas lojas virtuais. A leitura é prazerosa e o conteúdo, único. Considero uma leitura essencial para nós do Ocidente. Até a próxima.

BIBLIOGRAFIA

Yin Fú Jing: Tratado Sobre a União Oculta: tradução direta do chinês, interpretação e comentários, Wu Jyh Cherng; coautoria para transcrição, edição e adaptação dos textos, Marcia Coelho de Souza – Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. 2º ed.: 2019.

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